Ponto de referência para cariocas e viajantes que chegavam à cidade de navio, a Igreja de Nossa Senhora de Montserrat, no topo do Morro de São Bento, na Praça Mauá, era símbolo da capital colonial. Desde que foi inaugurada, em 1671, com fachada austera e interior em rebuscado estilo barroco, ela tornou-se um marco na paisagem do Rio, simbolizando o poderio da Igreja Católica.
O esplendor atravessou incólume os 200 anos seguintes e manteve sua imponência, mesmo após a multiplicação de arranha-céus que hoje dominam o horizonte do Centro. Só não resistiu à construção do Elevado da Perimetral, a via expressa de concreto que contribuiu para a degradação urbana de toda a região portuária. Escondida pelo viaduto, a pérola arquitetônica não apenas sumiu de vista como começou a acumular entre seus ornamentos dourados toda a fuligem despejada pelos 60 000 veículos que trafegavam diariamente por ali.
Agora, com o monstrengo demolido, o mosteiro ressurgiu na paisagem e passa pela maior restauração de sua história, uma obra de 10 milhões de reais financiada pelo BNDES. Noventa por cento dos trabalhos estão concluídos, com a recuperação do antigo interior do prédio, assim como de obras de arte e imagens. A previsão é que o conjunto seja entregue aos fiéis em 11 de julho, data em que se comemora o Dia de São Bento.
-Por seu valor arquitetônico, o mosteiro é uma das construções mais importantes não só do Rio, como do Brasil- diz Claudia Nunes, restauradora da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio. -A intervenção devolve à igreja suas características originais-.
O esforço para reverter os efeitos da decadência na igreja do mosteiro não foi pequeno. Dentro da nave principal, com impressionantes 14 metros de pé-direito, foi necessário construir uma estrutura com seis andares de andaimes. Pendurados na gigantesca armação, cerca de cinquenta restauradores passavam horas em posições nem um pouco anatômicas para remover a grossa camada de poluição oleosa que impregnava teto e paredes.
Nessa etapa inicial, um químico acompanhou de perto o trabalho para garantir que o detergente não danificasse os revestimentos, de madeira de cedro maciço. Oito lampadários do século XVIII, dois deles feitos por Mestre Valentim (1745-1813), o maior artista do barroco carioca, passaram uma semana sob baforadas de vapor de água até que a sujeira se soltasse. O telhado também foi refeito para sanar, definitivamente, as infiltrações. Quem olhar para cima, aliás, se surpreenderá. O antigo teto escurecido teve a cobertura de verniz amarelado retirada e revelou a pintura que simula janelas abertas para o céu.
A fase mais complexa, no entanto, foi refazer o douramento original. Para isso, primeiro se realizou a descupinização de painéis, talhas e imagens. Em seguida, um tratamento químico preparou a madeira para receber 30 000 folhas de ouro. O trabalho era tão delicado que o restaurador nem sequer podia respirar enquanto fazia a aplicação, pois o menor deslocamento de ar desmancharia as finíssimas - e caras - películas do metal laminado.
Uma vez aplicada às peças, a nova cobertura recebeu verniz protetor. -Se forem mantidas as condições ideais de conservação, o trabalho feito aqui deverá durar, no mínimo, cinquenta anos- diz Ubirajara Mello,restaurador.